quarta-feira, 9 de abril de 2008
Sete-Sóis e Sete-Luas
(…) e Blimunda disse ao padre, Ali vai minha mãe , e depois voltando-se para o homem alto que lhe estava perto, perguntou, Que nome é o seu, e o homem disse, naturalmente, assim reconhecendo o direito de esta mulher lhe fazer perguntas, Baltasar Mateus, também me chamam Sete-Sóis.
Baltasar Mateus, o Sete-Sóis, está calado, apenas olha fixamente Blimunda, e cada vez que ela o olha a ele sente um aperto na boca do estômago, porque olhos como estes nunca se viram, claros de cinzento, ou verde, ou azul, que com a luz de fora variam ou o pensamento de dentro, e às vezes tornam-se negros nocturnos ou brancos brilhantes como lascado carvão de pedra.
(…) fosse a ocasião outra, havia Sete-Sóis de lembrar-se da guerra, mas agora só tem olhos para os olhos de Blimunda, ou para o corpo dela, que é alto e delgado (…)
(…) Por que queres tu que eu fique, Porque é preciso, Não é razão que me convença, Se não quiseres ficar, vai-te embora, não te posso obrigar, Não tenho forças que me levem daqui, deitaste-me um encanto, Não deitei tal, não disse uma palavra, não te toquei, Olhaste-me por dentro, Juro que nunca te olharei por dentro, Juras que não o farás e já o fizeste, Não sabes de que estás a falar, não te olhei por dentro, Se eu ficar, onde durmo, Comigo. Deitaram-se. Blimunda era virgem. Que idade tens, perguntou Baltasar, e Blimunda respondeu, Dezanove anos, mas já então se tornara mais velha. Correu algum sangue sobre a esteira. Com as pontas dos dedos médio e indicador humedecidos nele, Blimunda persignou-se e fez uma cruz no peito de Baltasar, sobre o coração. Estavam ambos nus. Numa rua perto ouviram vozes de desafio, bater de espadas, correrias. Depois o silêncio. Não correu mais sangue. Quando, de manhã, Baltasar acordou, viu Blimunda deitada ao seu lado, a comer pão, de olhos fechados. Só os abriu, cinzentos àquela hora, depois de ter acabado de comer, e disse, Nunca te olharei por dentro.
(…) Tu és Sete-Sóis porque vês às claras, tu serás Sete-Luas porque vês às escuras, e, assim, Blimunda, que até aí só se chamava, como sua mãe, de Jesus, ficou sendo sete-Luas, e bem baptizada estava, que o baptismo foi de padre, não alcunha de qualquer um. Dormiram nessa noite os sóis e as luas abraçados, enquanto as estrelas giravam devagar no céu, Lua onde estás, Sol aonde vais.
(…) Baltasar disse, Quando a minha nuvem fechada está sobre a tua nuvem fechada, às vezes falta bem pouco para que a tua á minha se junte, Então me pareces tu mais vazio de vontade do que eu, respondeu Blimunda (…)
Há também outros simples e rústicos prazeres, como lavarem Baltasar e Blimunda os pés na água, ela levantando as saias até à curva da perna, melhor será que as desça, porque para cada ninfa que se banha há sempre um fauno espreitando, e este está perto e arremete. Blimunda foge da água rindo, ele agarra-a pela cintura, ambos caem, qual de baixo, qual de cima, nem parecem pessoas deste século. O burro levanta a cabeça, fitando as orelhas compridas, mas não vê o que nós vemos, apenas um remexer de sombras, as árvores cinzentas, o mundo de cada um é os olhos que tem. Baltasar levanta Blimunda ao colo, vai sentá-la no albardão, arre burro, toque, toque.
São onze os suplicados. A queima já vai adiantada, os rostos mal se distinguem. Naquele extremo arde um homem a quem falta a mão esquerda. Talvez por ter barba enegrecida, prodígio cosmético da fuligem, parece mais novo. E uma nuvem fechada está no centro do seu corpo. Então Blimunda disse, Vem. Desprendeu-se a vontade de Baltasar Sete-Sóis, mas não subiu para as estrelas, se à terra pertencia a Blimunda.
"Memorial do Convento" - José Saramago
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3 comentários:
Obrigado Saramago ;)
Olá...seria possivel arranjar-me algumas paginas (memorial do convento) onde fale da caracterizaçao de Blimunda Sete Luas?
Peço desculpa, porque apesar de ter gostado muito do livro, nunca o cheguei a comprar.
Mas se conseguir arranjar:
http://www.fnac.pt/Memorial-do-Convento-Ensino-Secundario-Jose-Saramago/a249774?PID=5&Mn=-1&Mu=-13&Ra=-1&To=0&Nu=1&Fr=0
Foi o que eu usei para estudar para os exames!
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